O cenário agora é Pequim e o estilo de artes marciais predominante é na verdade o kung fu, mas a diferença que mais chama a atenção na refilmagem de "Karatê Kid" em relação ao original é a faixa etária do protagonista: no lugar do Ralph Macchio adolescente do filme de 1984, o novo longa-metragem é protagonizado por Jaden Smith, filho do astro Will Smith, um garoto sequer chegado à puberdade. A mudança pode parecer irrelevante, mas causa impacto já nas cenas iniciais, quando vemos Dre Parker, o menino de 12 anos que ele interpreta na produção, sendo espancado com violência e brutalidade costumeiramente reservadas nas telonas a atores bem mais velhos.
O novo "Karatê Kid" mantém basicamente a mesma história que fez do filme original um ícone pop há quase 30 anos, mas vai mais longe geograficamente. O jovem Dre se muda com a mãe (Taraji Henson) para a China, mas logo no primeiro dia esbarra com um grupo de valentões lutadores de kung fu que não vão nem um pouco com a sua cara. Ameaçado, ele encontra ajuda inesperada na figura do zelador de seu prédio, Mr. Han (Jackie Chan, no papel correspondente ao do Sr. Miyagi, que foi de Pat Morita). Além de salvá-lo de uma surra terrível, ele vai guiar Dre com lições de artes marciais e de vida que ajudarão o garoto a combater os algozes em seu próprio terreno.
Como Dre, o longa também encara um desafio, este comum a toda refilmagem: evitar parecer um clichê do original. Uma das táticas escolhidas pelo diretor Harald Zwart (de "A Pantera Cor de Rosa 2") é adotar um registro de documentário, estilo câmera na mão, que confere mais naturalidade e, em certa medida, intimidade com o espectador. As cenas de ação também recebem tratamento caprichado: há sequências de perseguição dignas de thriller e fortes imagens de violência com direito a socos e quedas em câmera lenta.
Por se tratar de um filme-família, naturalmente, não se veem adultos batendo em crianças - a cena em que Mr. Han salva Dre da gangue, por exemplo, vira uma espécie de pastelão, com Chan fazendo as crianças vilãs baterem umas nas outras. A única exceção é um tapa aplicado pelo mestre da academia da gangue como punição a um de seus alunos, e que deixa claro que a violência algo que as crianças aprendem com os adultos.
Como contraponto à violência, o filme traz algumas belas transições de cena, ligações e metáforas visuais. Exemplos disso são o jogo de sombras que marcam tanto uma cena romântica (!) entre Dre e a jovem Meiying (Wenwen Han) quanto outra em que Mr. Han se recupera de lembranças dolorosas do passado treinando com o garoto. Os novos cenários chineses também dão um sopro de novidade ao filme, que exibe alguns cartões postais com evidente propósito de divulgação - numa cena desnecessária, Dre e Mr. Han aparecem treinando na Muralha da China -, mas também mostra becos sujos, cheios de gente e velharias.
Outras escolhas se revelam contraditórias ou erradas. A trilha sonora, digna dos filmes mais comerciais, estraga a naturalidade das cenas. E ao tentar aprofundar o papel de Mr. Han, dando a ele um passado trágico, o filme esbarra numa atuação sofrível de Jackie Chan nas cenas dramáticas. O astro das comédias de ação também não consegue dar a dignidade necessária ao seu personagem, parecendo meio abobado na maior parte da narrativa. Jaden exibe mais carisma e convence nas cenas mais importantes, mas não consegue carregar o filme inteiro nas costas.
O filme segue, aos trancos, para chegar ao clímax: o embate entre mocinho e vilões num torneio de kung fu. Trata-se do momento mais esperado desde o anúncio da refilmagem, e o filme atende aos anseios do espectador com novos socos, chutes e pontapés (mas nenhum sangue). Por fim, Dre reencena o milagre de praxe e derrota o vilão com a perna quase quebrada.
Mas talvez o mais inacreditável no final seja o comportamento da mãe: mesmo vendo o filho de 12 anos ser espancado sem dó nem piedade e o estrago causado depois, ela vibra quando ele volta ao ringue. Isso explica de uma vez o fato de "Karatê Kid" ter sido feito na China: nos EUA ou qualquer país ocidental, ela e Mr. Han iriam direto para a cadeia.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
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