quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Festival traz ópera francesa a Manaus
Em sua mais cara edição até hoje – com orçamento de R$ 8 milhões, de acordo com a Secretaria de Estado de Cultura –, o festival vai oferecer ao público um panorama abrangente da ópera francesa. “Sansão e Dalila”, de Camille Saint-Saëns, marca a abertura do evento no dia 23 de abril, com reapresentações nos dias 26 e 28. “Pélleas et Mélisande”, de Claude Debussy, será apresentada em versão concerto nos dias 25 e 27 de abril.
Em maio, serão apresentadas as montagens de “Le Cid”, de Jules Massenet (dias 5, 7 e 10); “Diálogos das Carmelitas”, de Francis Poulenc (13, 15 e 17); e “Os troianos”, de Hector Berlioz (24, 26 e 28). O encerramento do festival será com o oratório dramático “Joana D'Arc na fogueira”, de Arthur Honegger, no dia 31.
Ensaios
Os preparativos para o festival iniciaram há cerca de três semanas, com as primeiras leituras das peças musicais pelos instrumentistas da Orquestra Amazonas Filarmônica (OAF). Alguns artistas convidados já estão ou estiveram na capital amazonense para iniciar os trabalhos – caso do maestro francês Laurent Campellone, responsável pela regência de “Os troianos”, que esteve na cidade há uma semana para uma curta e intensiva série de ensaios.
Outros artistas franceses participam das montagens, à frente ou nos bastidores das montagens, ao lado de outros brasileiros e internacionais. A apresentação de “Pélleas et Mélisande”, por exemplo, trará um elenco de artistas franceses nos papéis principais, sob a regência do maestro e diretor artístico do evento, Luiz Fernando Malheiro.
A montagem de “Le Cid” será dirigida pelo francês Frédèrique Lombart, com cenários e figurinos dos brasileiros Renato Theobaldo e Marcelo Marques, respectivamente. Campellone, citado acima, vai reger um elenco que inclui, entre outros, o tenor norte-americano Michael Hendrick, o barítono francês Jean-Luc Chaignaud e a mezzo-soprano brasileira Denise de Freitas.
Ousadia
Entre os destaques do programa está “Os troianos”, verdadeiro tour de force musical no estilo das óperas wagnerianas, tendo aproximadamente cinco horas de duração. Também promete chamar atenção a montagem de “Sansão e Dalila”, que terá direção cênica de Emilio Sagi, prestigiado diretor espanhol atualmente à frente do Teatro Arriaga, na Espanha.
Entre os artistas brasileiros que já participaram em outras edições do FAO, estão Willian Pereira, que será responsável pela direção cênica e cenários de “Diálogos das Carmelitas”; Olintho Malaquias, figurinista de “Os troianos”; e Caetano Vilela, diretor cênico e iluminador de “Os troianos”.
Confira a programação completa do evento abaixo:
“Sansão e Dalila”, de Camille Saint-Saëns
Dias 23, 26 e 28 de abril, no Teatro Amazonas
Elenco: Michael Hendrick, tenor (EUA). Nancy Fabiola-Herrera, mezzo-soprano (Espanha). Jean-Philippe Lafont, barítono (França). Savio Sperandio, baixo (Brasil). Jérôme Varnier, baixo (França). Éric Herrero, tenor (Brasil). Adriano DiSidney, barítono (Brasil). Leandro Lacava, tenor (Brasil).
Participação do Coral do Amazonas e da Companhia de Dança do Amazonas.
Direção musical e regência: Luiz Fernando Malheiro (Brasil)
Direção cênica: Emilio Sagi (Espanha)
Cenários: Leonardo Ceolin (Argentina/Brasil)
Iluminação: Caetano Vilela (Brasil)
Figurinos: Olintho Malaquias (Brasil)
Coreografia: Jorge Garcia (Brasil)
Ciclo de “Melodies” – Recitais de canto e piano
Dias 24, 27 e 30 de abril, no Centro Cultural Palácio da Justiça
Artistas: Carmen Monarcha, soprano (Brasil). Pauline Courtin e Isabelle Sabrié sopranos (França). Yann Beuron, tenor (França). Jean-Philippe Lafont, barítono (França). José Antônio Soares e Fabricio Claussen, barítonos (Brasil). Jérôme Varnier, baixo (França). Gilberto Tinetti e Jeff Cohen, pianos.
“Pélleas et Mélisande”, de Claude Debussy (versão concerto)
Dias 25 e 27 de abril, no Teatro Amazonas
Elenco: Jérôme Varnier, baixo (França). Yann Beuron, tenor (França). Jean-Philippe Lafont, barítono (França). Mireille Delunsch, soprano (França). Pauline Courtin, soprano (França). Nadine Denize, mezzo-soprano (França). Murilo Neves, baixo (Brasil). Saulo Javan, baixo (Brasil).
Participação do Coral do Amazonas.
Direção musical e regência: Luiz Fernando Malheiro (Brasil)
“Le Cid”, de Jules Massenet
Dias 5, 7 e 10 de maio, no Teatro Amazonas
Elenco: Eliane Coelho, soprano (Brasil). Carmen Monarcha, soprano (Brasil). Francisco Casanova, tenor (República Dominicana). Sávio Sperandio, baixo (Brasil). Adriano DiSidney, barítono (Brasil). Saulo Javan, baixo (Brasil). Fabricio Claussen, barítono (Brasil). Fabricio Claussen, barítono (Brasil). Leandro Lacava, tenor (Brasil). Murilo Neves, baixo (Brasil).
Participação do Coral do Amazonas e da Companhia de Dança do Amazonas.
Direção musical e regência: Luiz Fernando Malheiro (Brasil)
Direção cênica: Frédèrique Lombart (França)
Cenários: Renato Theobaldo (Brasil)
Iluminação: Caetano Vilela (Brasil)
Figurinos: Marcelo Marques (Brasil)
“Diálogos das Carmelitas”, de Francis Poulenc
Dias 13, 15 e 17 de maio, no Teatro Amazonas
Elenco: Adriane Queiroz, soprano (Brasil). José Antônio Soares, barítono (Brasil). Alexander Swan, tenor (França). Pauline Courtin, soprano (França). Nadine Denize, contralto (França). Isabelle Sabrié, soprano (França). Eugenie Grunewald, mezzo-soprano (Estados Unidos). Elaine Martorano, contralto (Brasil). Éric Herrero, tenor (Brasil). Carolina Faria, mezzo-soprano (Brasil). Adriano DiSidney, barítono (Brasil). Geilson Santos, tenor (Brasil). Fabricio Claussen, barítono (Brasil). Elli Soares, barítono (Brasil). Jair Jr., barítono (Brasil). Alex Herculano, barítono (Brasil).
Participação do Coral do Amazonas.
Direção musical e regência: Marcelo de Jesus (Brasil)
Direção cênica e cenários: Willian Pereira (Brasil)
Cenários: Roberto Holnik (Brasil)
Iluminação: Caetano Vilela (Brasil)
Figurinos: Marcelo Marques (Brasil)
Debates e conferências sobre a música francesa nos séculos 20 e 21 – Sua influência nos compositores e intérpretes brasileiros
Dias 14 a 23 de maio, no Centro Cultural Palácio da Justiça
Com os compositores Almeida Prado e Jorge Antunes (Brasil), e Thierry Escaich e David Alagna (França).
“Os troianos”, de Hector Berlioz
Dias 24, 26 e 28 de maio, no Teatro Amazonas
Elenco: Michael Hendrick, tenor (Estados Unidos). Jean-Luc Chaignaud, barítono (França). Fabricio Claussen, barítono (Brasil). Sávio Sperandio, baixo (Brasil). Geilson Santos, tenor (Brasil). Manuela Freua, soprano (Brasil). Marquita Lister, soprano (Estados Unidos). Denise de Freitas, mezzo-soprano (Brasil). Kismara Pessatti, contralto (Brasil). Leandro Lacava, tenor (Brasil). Murilo Neves, baixo (Brasil). Eli Soares, baixo (Brasil). Saulo Javan, baixo (Brasil). José Humberto Vieira, tenor (Brasil). Eli Soares, baixo (Brasil). Adriano DiSidney, barítono (Brasil). Saulo Javan, baixo (Brasil). Eraldo Auzier, baixo (Brasil). Jaiana Souza da Silva (Brasil). Carolina Faria, mezzo-soprano (Brasil).
Participação do Coral do Amazonas e da Companhia de Dança do Amazonas.
Direção musical e regência: Laurent Campellone (França)
Direção cênica e iluminação: Caetano Vilela (Brasil)
Cenários: Renato Rebouças (Brasil)
Figurinos: Olintho Malaquias (Brasil)
Coreografia: Jorge Garcia (Brasil)
Oratório cênico “Joana d’Arc na fogueira”, de Arthur Honegger
Dia 31 de maio, no Largo de São Sebastião, em frente ao Teatro Amazonas
Artistas: Carmen Monarcha e Manuela Freua, sopranos (Brasil). Elaine Martorano, contralto (Brasil). Geilson Santos, tenor (Brasil). José Antonio Soares, baixo (Brasil).
Participação do Coral Infantil, do Coral do Amazonas e da Companhia de Dança do Amazonas.
Direção musical e regência: Luiz Fernando Malheiro (Brasil)
sexta-feira, 25 de abril de 2008
Ça Irá - Um pouco mais do mesmo
Realmente tenho orgulho de morar em uma cidade que abriga um evento como esse. Conheço até algumas pessoas mais ignorantes e preconceituosas que dizem que Manaus não deveria abrigar um Festival de Ópera, pois não combina com essa cidade - pura visão esteriotipada. Gosto muito de ópera e criei essa cultura ainda na infância, vendo os desenhos do Mickey e Donald; isso consolidou-se mais tarde, na pré-adolescência, quando minha mãe levou-me à minha primeira ópera. Ainda lembro até hoje, era La Boème, acho que no II FAO. Resumindo, acredito que um festival como esse ajuda sim a criar uma cultura de música clássica na cidade.
Agora voltemos a Ça Irá e à minha não-predileção por especificamente esta obra de Waters. Mas antes de tudo, não posso deixar de falar de como foi difícil para mim ter acesso à segunda récita do espetáculo no TA. Tudo começou na redação de A Crítica, quando a assessoria de imprensa do evento enviou um e-mail à nossa editora pedindo para cadastrar as pessoas da equipe nos espetáculos. Eu prontamente me cadastrei para a segunda récita de Ça Irá, posto que as estréias são marcadas por muitos confetes e falação, que acabam por tirar o foco da coisa E lá fui eu, depois de um dia corrido de trabalho, fechando tudo às pressas para poder chegar no horário, junto com os colegas de labuta Jony Clay Borges, Thiago Hermido e Renata Paula, da TV Cultura.
Qual não foi minha surpresa quando o assessor de imprensa do Festival olhou para nós na porta do Teatro e nos disse que não havia lugar para a imprensa e que o credenciamento feito não era válido. “Foi um erro de uma das pessoas que trabalham para mim”, disse, sem cerimônias. E continuou: “Não vou deixar de vender ingressos para acomodar vocês”. A partir daí fui levada pela minha indignação à discutir com o assessor, que saiu e disse que ia ver o que poderia fazer por nós, como quem presta um favor. Nessa hora senti vergonha pelo Festival e dirigi-me a meu colegas, fazendo menção de ir embora. Porém eles não deixaram. Quando o tal assessor retornou, abriu o cordão da entrada e disse “Entrem e procurem algum lugar vazio. Vão ocupando as frisas, mas se o dono da frisa chegar vocês saem”. E assim aconteceu por duas vezes até conseguirmos ocupar a terceira frisa no canto direito do palco, obviamente na parte de trás da frisa, com três colunas entre mim e Ça Irá. Ia ficar em um lugar pior, mas meu gentil colega Jony Clay me cedeu sua cadeira.
Adversidades à parte, consegui assistir Ça Irá e juro que os comentários a seguir nada têm a ver com os contratempos relatados anteriormente. No primeiro ato achei a ópera sem história, sem trama, não prendia mesmo. Querer contar a história da Revolução Francesa por meio de um circo é até interessante, mas aquela figura do Mestre de Picadeiro, com cartola e fraque, e o excesso de participação do coro roubavam a ação das personagens e deixava a ópera meio enfadonha. Eu sei que todo mundo já disse isso, mas parecia mesmo um musical. O que aconteceu é que os personagens não tinham voz.
Além disso, as vozes masculinas ficaram muitas vezes encobertas e sem expressividade, excluindo (como o Jony disse) Geilson Santos, que interpretou bem o papel de um escravo revolucionário das colônias francesas e o Leonardo Pace, como Luís XVI.
No segundo ato, a tônica foi ficando mais inteligível. O rei e a rainha que pareciam figurantes, finalmente tiveram parte na trama. O momento mais emocionante, a meu ver, foi quando a rainha Marie Antoniette, interpretada por Gabriela Pace é levada à morte, conduzida pelos bailarinos do Corpo de Dança do Amazonas. A cena é perfeita em tudo: canto, cênica, iluminação, figurino, cenografia... Porém, tenho que concordar com o Jony também que não consigo me recordar de nenhum pedacinho de ária dessa ópera. Nada fica “nem para assobio”. Por outro lado, aplaudi e gritei “bravo!” para a produção, a cenografia, a iluminação e o figurino, dignos de uma grande montagem.
De Ça Irá, acredito que fica a audácia de um roqueiro clássico em passear pelo mundo da música erudita, mesmo sabendo que estava sujeito a belos tropeções. Mas, de qualquer forma, prefiro lembrar de Roger Waters atingindo a perfeição como o baixista de uma das maiores e melhores bandas de rock do mundo.
quarta-feira, 16 de abril de 2008
"Ça Ira" - espetacular

Acredito – e isso não deve ser uma opinião isolada – que quando você idealiza um trabalho que pode ser taxado de obra de arte, devem constar em seus planos oníricos primeiros a possibilidade deste ser apresentado ou mesmo reproduzido com toda a fidelidade necessária para lhe manter único exatamente como você um dia o fez. Em contrapartida, vê-lo travestido de algo que nunca foi ou será pode render grande frustrações. Por isso, ao chegar em casa após ter visto a surpreendente “Ça Ira”, entendo o porquê de todo o perfeccionismo de Roger Waters – ninguém menos que seu compositor. Para não perder de vista o perfume dessa inspiração, acordei os vizinhos hoje com "Time" – outra obra de arte de Waters.
Paralelo às turnês solo, uma rotina para o inglês após ter deixado o Pink Floyd (lembra dele naquela época?), Waters passou 16 anos compondo "Ça Ira" (cuja tradução significa “Há Esperança”) baseado no libreto de Etienne Roda-Gil, um compositor francês. A ópera aborda a Revolução Francesa em três atos – coisa de aproximadamente duas horas e pouquinho.
Então quase duas décadas de trabalho depois, "Ça Ira" estreou na Polônia (terra da Wyborowa, para bom entendedor meia palavra basta) em 2005, sendo regida de um jeito totalmente diverso ao que Roger Waters previa. Fico tentando imaginar a cara dele... não deve ter sido agradável. Para evitar novo transtorno, quando convidado para participar do 12º Festival Amazonas de Ópera com sua montagem, o ex-Pink Floyd fez questão de vir até aqui para acompanhar os ensaios o máximo que pode.
Ele veio duas vezes. Na primeira, não falou com a imprensa nem sob decreto, sem pena de nos deixar tostando à toa do lado de fora do Teatro Amazonas. Na segunda, houve coletiva, ensaio aberto, fotos, entrevistas rápidas. Bem rápidas mesmo: estávamos todo nós, jornalistas de cultura de Manaus (eu representando o Jornal A Crítica), sentados nos banquinhos do saguão do Teatro esperando que Waters respondesse a todos os questionamentos que tínhamos pensado anteriormente. Ele pegou o microfone, deu “bom dia” em português. Disse o quão feliz e ansioso estava para a estréia de "Ça Ira" – com razão, era a primeira vez que a ópera estrearia não só em Manaus, como também no Brasil. Disso podemos estufar o peito e afirmar que saímos na frente do sudeste... Enfim, ele também contou que havia muitos ensaios pela frente, pediu licença, levantou-se e já sem o microfone avisou que tinha "trabalho a fazer". Alguém gritou do meio da multidão de fotógrafos e repórteres se para um roqueiro de renome como Waters era difícil transitar entre a ópera e o rock. Ele se limitou a dizer que "a dificuldade é a mesma". Não sei, acho que o "Dark Side Of The Moon" não demorou 16 anos para ser composto, mas se ele fala...
Foi muito ensaio, minha gente. Coisa de mais de 10 horas diárias. Por isso, a expectativa para ver a ópera no palco era grandiosa demais da minha parte, pelo menos. Só não imaginava que Waters estaria triplamente nervoso. Quando finalmente sentei na platéia ontem, Robério Braga (Secretário de Cultura do Estado) apareceu no palco para proferir breves palavras e anunciar a presença de Roger Waters, que entrou segurando seu já conhecido microfone e um pedaço de papel.
"Boa noite", ele disse. O papel em suas mãos denunciava o quão trêmulo Waters estava. Com toda a dificuldade de quem praticamente decorou palavras em português por consideração à platéia, ele agradeceu imensamente a honra de apresentar sua obra naquele suntuoso teatro – que para quem não sabe, é considerado o 3º mais belo do mundo (sudeste, morre de inveja de novo!). Foi algo admirável de se ver. Estamos acostumados à arrogância de artistas menos capacitados que quando uma lenda viva do rock vem à capital amazonense agradecer com toda sua humildade – e em português, imagina o quanto deve ser difícil – quase não acreditamos.
Quando sob o comando do maestro Luiz Fernando Malheiro a orquestra começou a tocar, eu já me sentia plena, sentimento que perdurou do início ao fim. Tem gente que vai dizer que "Ça Ira" é uma ópera medíocre por não exigir esforços herculanos dos músicos envolvidos, mas eu discordo totalmente. É aquela coisa que todo "metaleiro new be" (como diria meu amigo Omar Gusmão) repete: metal bom é aquele com feeling e não com alta dificuldade técnica. E se transitar por ópera e rock é algo que Roger Waters tira de letra, citar um exemplo calcado no metal não pode ser considerada grande heresia da minha parte.
"Ça Ira" é totalmente cantada por vozes poderosas e impecáveis que podem passar longe de amplificadores com tranqüilidade. As "falas" são em inglês e foram traduzidas com legendas que eram projetadas no canto superior da cortina. Não creio que muita gente tenha conseguido ler e acho até que ninguém deve ter feito muita questão, porque ópera é algo para se sentir. Todas as emoções conseguem ser repassadas pela música, pela expressão no rosto dos cantores, pelo cenário. Foi algo tão carnal que era possível ver lágrimas nos olhos de um tenor que confortava Maria Antonieta em seu leito de morte... na única vez em que olhei pro lado, verifiquei que as lágrimas não estavam somente nos olhos dele, na verdade.
Não me cabe descrever o final de "Ça Ira" porque o texto é um convite para que todos apreciem a obra do gênio (gênio e não me canso de elogiar!) Roger Waters, que embarcou nessa madrugada de volta para a Inglaterra. Feliz e pleno, como todos nós que vimos a ópera e o aplaudimos de pé quando ao fim de tudo, ele voltou ao palco do Teatro que o recebeu tão bem para agradecer ao público.
"Há esperança" para gênios e boa música nesse amálgama de coisa ruim que a gente vê surgindo no mundo fonográfico a cada dia que passa...
sábado, 12 de abril de 2008
Kid Vinil: dinossauros, mitos y otras cositas más
Para Kid, há artistas e bandas que têm valor em sua época, e só, enquanto outros atravessam as décadas e gerações: "Tem bandas-dinossauros que eu gosto do início da banda, e não consigo mais vê-los depois (...) e tem coisas que ultrapassam a barreira do gostar– são mitos", afirma o roqueiro. No primeiro grupo, entre outros, ele inclui o Deep Purple – que fez show em São Paulo há poucas semanas e que se apresenta em Manaus em breve.
"Era uma banda de que eu gostava nos anos 70, até certo ponto, e depois não gosto mais. Nos anos 70, acho eles impecáveis. Nos 80, já não me interessou mais. É o tipo da banda que eu não iria ver o show", comenta ele.
Já no grupo dos mitos, Kid inclui nomes de outras gerações, mas que até hoje mantêm acesa a verve musical. "Neil Young para mim é um mito, iria ver um show dele a qualquer momento. Lou Reed é um mito, David Bowie é um mito", enumera. "Tem coisas que permanecem, e outras não", conclui ele.
Mas Kid faz questão de ressaltar que, no final, tudo é uma questão de gosto. "Também [me considero um dinossauro], por isso não quero condenar. Uma pessoa pode falar, 'Ah, não gosto dele', e o outro pode gostar. Eu estou na mesma situação dos caras, mas aí é uma questão de gosto: quem gosta vai ver, quem não gosta não vai", reconhece ele.
Quanto a isso, Kid não tem muito com o que se preocupar: assim como outras figuras que fizeram sucesso há 20 anos ou mais, ele está na crista da onda graças ao movimento de resgate dos anos 80. Para ele, a tendência não só reabriu espaço para a galera da época, como vem ajudando a desfazer a idéia de que os 80 foram uma "década perdida".
"Foi meio que um reconhecimento, pois muitos chamavam de "geração perdida", geração não sei o quê, enfim, sempre criticava a geração 80. E, contrário a isso, foi uma coisa super resgatada, e que hoje é uma influência, não só aqui como lá fora, para a nova geração", afirma o radialista, lembrando que os anos 90 foram "meio embaçados" para o pessoal de sua época: "A gente saiu da mídia e tinha pouco espaço pra tocar. Comecei até a fazer atividades paralelas, trabalhei em TV, rádio, onde eu já trabalhava antes, e voltei a escrever em jornal, por falta de espaço".
O movimento de resgate que trouxe de volta Kid Vinil e seu Magazine colocou no mesmo barco ícones infantis, como Xuxa, e até cafonas, como Sidney Magal. Como explicar esse disparate?
"Na década de 80 existia uma diferença: galera de rock não gostava de rock, a gente não curtia coisa infantil porque era pra criança, não era o tipo de música que a gente gostava de fazer e tocar. Mas quem era criança naquela época ouvia a Xuxa, e fica deslumbrado de ouvir uma música dela. Vejo dessa maneira esse deslumbre das pessoas. No fim, você acaba até relaxando e cantando junto", avalia o DJ, lembrando que ele próprio demorou um pouquinho para se acostumar com a mistura.
"Uma época as pessoas pediam muito trash, tipo Sidney Magal ou Gretchen. A princípio ficava meio 'assim', mas comecei a fazer show nessa linha, em que todo mundo entrava no caldeirão, e pensei, 'Relaxa, a Gretchen é super gente fina, o Magal também'. Até comprei um CD da Gretchen, e quando me pedem eu toco. Magal não comprei, mas se rolar, tudo bem, não fiquei tão radical assim", conta ele, bem humorado.
O bom humor, aliás, que parece ser uma marca registrada de Kid, também é uma das coisas de que ele mais sente falta na música de hoje. "Às vezes fico me perguntando, 'Será que não tem mais nenhuma banda mais bem humorada?'. Parece que depois do desastre com os Mamonas Assassinas sepultaram, literalmente, o humor. Podem até existir bandas bem humoradas, mas não aparecem na mídia", comenta o radialista, que cita como grupos bem humorados de hoje o grupo paulista Cansei de Ser Sexy.
"Tem uma música que fala 'ah-lah-lah, ah-lah-lah', e é nonsense, mas é maravilhoso. Lá fora existe espaço para o bom humor, tanto que uma banda brasileira cantando em inglês, às vezes até mau inglês, faz sucesso, e o público brasileiro diz 'não' a ela. Aliás o público não, mas a mídia, pois se tocasse no rádio, as pessoas iam cantar 'ah-lah-lah' o dia inteiro", acredita Kid.
Ele cita ainda, na linha da música bem humorada, a paranaense Bonde do Rolê ("É um funk divertido, as letras são de sacanagem, do tipo, 'James Bond é veado, dá a bunda'", diz ele), a paulista Los Piratas e a matogrossense Jumbo Elektro.
Kid também lamenta a perda da sensibilidade musical por parte das gravadoras, na passagem dos anos 80 para os 90. "Nos anos 80 até que a indústria fonográfica ia atrás de descobrir as coisas, na Warner o Pena Schmidt ia atrás, descobriu o Ultraje a Rigor, o Ira!, Titãs. Sempre havia produtores ligados e antenados. Nos anos 90, a indústria virou uma coisa de ser sempre um cara que não conhecia de música, era um cara de marketing, e como era de marketing, não precisava conhecer música. Meio que destruíram a música brasileira em geral com aquela coisa de querer produtos de massa – pagode, sertanejo de dor de cotovelo. Eles foram criando esses monstros de massa, e isso foi matando o cenário da música brasileira", critica o roqueiro.
Mesmo sendo de uma outra geração, Kid mantém os olhos muito abertos para o presente, e também para o futuro. Ele reconhece, por exemplo, que a música digital veio para ficar, e está investindo no segmento com seu projeto Kid Vinil Xperience.
"Estamos fazendo coisas para colocar na Internet, não CD. O futuro é meio que por aí. Criamos um site no MySpace, que já tem uma cover que fizemos como tributo, fizemos agora uma cover dos Beatles que vai sair num tributo a eles. E tudo que fizermos agora vamos lançar virtualmente, acho que essa coisa de lançar discos já pertence ao passado, infelizmente", reconhece o artista.
O fim anunciado do CD, segundo Kid, chegará ainda mais rápido no Brasil pela facilidade de se obter músicas via web e pela perda de poder aquisitivo do público. Para ele, os artistas têm de se adaptar à nova realidade.
"Hoje, o artista disponibiliza suas músicas, as pessoas baixam, ele faz sua divulgação e vai acontecer da mesma maneira. Não tem essa coisa de ter de ter um disco, as pessoas vão ao show dele e vão cantar as músicas que elas baixaram. O futuro é esse".
Egresso da AI-5, banda dos primórdios do punk nacional, Kid foi também uma figura-chave na difusão desse gênero musical no País, por meio de um programa de rádio semanal veiculado nos primeiros anos da década de 80.
"O punk era um movimento de periferia, as pessoas não tinham dinheiro, ouviam meu programa no rádio e gravavam em fitinha, e eu era aquele cara que podia viajar e trazer os discos. Dei sorte, porque no momento certo, na hora certa, comecei a fazer um programa de rádio que de certa forma se tornou um porta-voz de uma geração", declara ele.
Mais recentemente, Kid ajudou a divulgar no Brasil muito da música feita no cenário alternativo mundial, em parceria com a gravadora Trama – responsável por lançar artistas como Belle & Sebastian, Yo La Tengo! e Arctic Monkeys. Ainda hoje, para o radialista, um dos grandes prazeres de garimpar novas bandas e sonoridades é poder compartilhá-la com os outros, seja por meio do rádio, TV ou Internet, seja em festas, como DJ.
"Isso é gostoso fazer. É legal se sentir útil, poder mostrar coisas legais para outras pessoas, como na época do punk", confessa ele, que lamenta a falta de espaço nos veículos: "Adoraria ter um programa de rádio em que pudesse mostrar ao público todas essas coisas novas. Mas hoje o espaço na TV e no rádio é limitado, e o meu grande sonho era poder voltar a fazer isso. Às vezes me sinto um John Peel [radialista da BBC Radio 1], gostaria de ser eterno fazendo isso, nunca parar, mas é difícil no Brasil".