Odeio ser crítica por ser. Aliás, ainda tenho um pouco na minha cabeça que todo crítico é mesmo um artista frustrado. Mas diante de tanto burburinho por conta da passagem de Roger Waters travestido de compositor de ópera por Manaus, e dos inflamados posts dos colegas, não tive como não deixar de colocar minhas impressões sobre Ça Irá e esse XII Festival Amazonas de Ópera.
Realmente tenho orgulho de morar em uma cidade que abriga um evento como esse. Conheço até algumas pessoas mais ignorantes e preconceituosas que dizem que Manaus não deveria abrigar um Festival de Ópera, pois não combina com essa cidade - pura visão esteriotipada. Gosto muito de ópera e criei essa cultura ainda na infância, vendo os desenhos do Mickey e Donald; isso consolidou-se mais tarde, na pré-adolescência, quando minha mãe levou-me à minha primeira ópera. Ainda lembro até hoje, era La Boème, acho que no II FAO. Resumindo, acredito que um festival como esse ajuda sim a criar uma cultura de música clássica na cidade.
Agora voltemos a Ça Irá e à minha não-predileção por especificamente esta obra de Waters. Mas antes de tudo, não posso deixar de falar de como foi difícil para mim ter acesso à segunda récita do espetáculo no TA. Tudo começou na redação de A Crítica, quando a assessoria de imprensa do evento enviou um e-mail à nossa editora pedindo para cadastrar as pessoas da equipe nos espetáculos. Eu prontamente me cadastrei para a segunda récita de Ça Irá, posto que as estréias são marcadas por muitos confetes e falação, que acabam por tirar o foco da coisa E lá fui eu, depois de um dia corrido de trabalho, fechando tudo às pressas para poder chegar no horário, junto com os colegas de labuta Jony Clay Borges, Thiago Hermido e Renata Paula, da TV Cultura.
Qual não foi minha surpresa quando o assessor de imprensa do Festival olhou para nós na porta do Teatro e nos disse que não havia lugar para a imprensa e que o credenciamento feito não era válido. “Foi um erro de uma das pessoas que trabalham para mim”, disse, sem cerimônias. E continuou: “Não vou deixar de vender ingressos para acomodar vocês”. A partir daí fui levada pela minha indignação à discutir com o assessor, que saiu e disse que ia ver o que poderia fazer por nós, como quem presta um favor. Nessa hora senti vergonha pelo Festival e dirigi-me a meu colegas, fazendo menção de ir embora. Porém eles não deixaram. Quando o tal assessor retornou, abriu o cordão da entrada e disse “Entrem e procurem algum lugar vazio. Vão ocupando as frisas, mas se o dono da frisa chegar vocês saem”. E assim aconteceu por duas vezes até conseguirmos ocupar a terceira frisa no canto direito do palco, obviamente na parte de trás da frisa, com três colunas entre mim e Ça Irá. Ia ficar em um lugar pior, mas meu gentil colega Jony Clay me cedeu sua cadeira.
Adversidades à parte, consegui assistir Ça Irá e juro que os comentários a seguir nada têm a ver com os contratempos relatados anteriormente. No primeiro ato achei a ópera sem história, sem trama, não prendia mesmo. Querer contar a história da Revolução Francesa por meio de um circo é até interessante, mas aquela figura do Mestre de Picadeiro, com cartola e fraque, e o excesso de participação do coro roubavam a ação das personagens e deixava a ópera meio enfadonha. Eu sei que todo mundo já disse isso, mas parecia mesmo um musical. O que aconteceu é que os personagens não tinham voz.
Além disso, as vozes masculinas ficaram muitas vezes encobertas e sem expressividade, excluindo (como o Jony disse) Geilson Santos, que interpretou bem o papel de um escravo revolucionário das colônias francesas e o Leonardo Pace, como Luís XVI.
No segundo ato, a tônica foi ficando mais inteligível. O rei e a rainha que pareciam figurantes, finalmente tiveram parte na trama. O momento mais emocionante, a meu ver, foi quando a rainha Marie Antoniette, interpretada por Gabriela Pace é levada à morte, conduzida pelos bailarinos do Corpo de Dança do Amazonas. A cena é perfeita em tudo: canto, cênica, iluminação, figurino, cenografia... Porém, tenho que concordar com o Jony também que não consigo me recordar de nenhum pedacinho de ária dessa ópera. Nada fica “nem para assobio”. Por outro lado, aplaudi e gritei “bravo!” para a produção, a cenografia, a iluminação e o figurino, dignos de uma grande montagem.
De Ça Irá, acredito que fica a audácia de um roqueiro clássico em passear pelo mundo da música erudita, mesmo sabendo que estava sujeito a belos tropeções. Mas, de qualquer forma, prefiro lembrar de Roger Waters atingindo a perfeição como o baixista de uma das maiores e melhores bandas de rock do mundo.
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